quinta-feira, 18 de junho de 2009

Coluna Musical - The Dark Side of the Moon

"A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende."
(Arthur Schopenhauer)


Música é necessidade de primeira ordem. Música é comida e, assim como tal, há pratos deliciosos com sabores diversos, alimentos nutritivos que fazem muito bem à saúde, temperos diversos que surpreendem quando combinados... existe até aquilo que os norte-americanos chamam de junk food, aquela comida que todos sabem que não faz bem, não é gostosa, mas que todo mundo nunca deixa de consumir. Partindo disso, estreio esta coluna para falar de todos os sabores da música. O primeiro tema da coluna será um disco clássico, muito conhecido e antigo, mas que sempre surpreende a cada execução.




Falar do disco The Dark Side Of The Moon, de 1973, não é tarefa fácil. Por isso, comecemos pelo começo: a capa do disco. Imagine que um exemplar do disco (de vinil, é importante ressaltar) esteja em suas mãos. Você desembrulha a embalagem e se depara com tal imagem: qual seria sua reação? o que pensaria a respeito? Pode não parecer, mas esta capa é tão importante quanto as músicas, o que só pode ser compreendido após a apreciação de toda a obra. Um detalhe importante é que ela não apresenta nada escrito, apenas mostra a decomposição do feixe de luz branca em seus diversos espectros. Tudo isso, em conjunto com o estranho nome do álbum, cria estranheza, curiosidade.
É hora de tocar o disco! Expectativa alta! E a primeira faixa começa quase que em silêncio... até que começam batidas ritmadas, um coração começando a pulsar junto com os primeiros sons que não são acordes. Pessoas falam, riem, gritam, máquinas registradoras funcionando, até avião , ou helicóptero, decolando. Tudo isso em questão de apreensivos segundos até que surge o primeiro acorde. E a sequência é uma batida cadenciada na bateria, guitarras melódicas cheias de efeitos, um baixo marcante, uso de slides, teclados acompanhando as guitarras com acordes inspirados no jazz e no blues... e o som transcende. "Speak to Me/Breathe" é a primeira faixa do lado A do disco. É um convite feito pelo disco, é a sua epígrafe. A letra trata de nascimento e de tudo o que virá pela frente ("...smiles you'll give and tears you'll cry...").
Num momento os slides das guitarras cessam e, após um acorde de transição no teclado, sintetizadores. começam. "On the run", a segunda faixa, é definitivamente uma maratona, uma corrida, acelerada e vertginosa. Mais eletrizante que qualquer trance de hoje. A beleza desta faixa, vai além dos sons. Deve-se apreciar nela o trabalho desenvolvido pelos técnicos de sons para montar toda a música utilizando apenas os poucos recursos de edição de áudio da época. E o fim da música é uma sensacional explosão.
Na sequência, relógios despertando de forma ensurdecedora, um tic-tac dispara, assim como uma bela linha de baixo junto com uma introdução muito bem elaborada na guitarra. "Time/Breathe (Reprise)" é, ao mesmo tempo, uma constatação, uma reflexão e uma lição: o que fazemos com o tempo que temos? Tudo isso ainda é entremeado por um espetacular e longo solo de guitarra, bastante característico do rock progressivo. Também é importante destacar a transição para a parte final da música que tem sonoridade semelhante à da primeira faixa.
Encerrando o lado A do disco, "The Great Gig In The Sky". Impossível de definir. Impossível de descrever. A beleza do som do teclado e da guitarra, o desespero dos vocais, a calmaria dos vocais, a fúria dos vocais... Essa música trata de lamento, dor, ânsia, desespero, medo, êxtase, etc...
A estas alturas, quem ouve o disco já está atônito! Especialmente com o fato de que as transições entre as faixas são imperceptíveis. Tudo parece ser uma faixa só, uma história só.
Mudando para o lado B, uma máquina registradora, uma linha de baixo e um clássico do rock: "Money". Aqui, o dinheiro, a riqueza corrompem a sociedade: "money, get away". Mas o dinheiro e a riqueza são ambicionados: "money, it's a hit". A relação sórdida entre o homem e o dinheiro é muito bem traduzida também no solo de saxofone e no solo de guitarra.
A segunda faixa do lado B, "Us and Them", apresenta, talvez, uma das mais belas melodias já compostas. A progressão de notas no teclado é simplesmente perfeita. O saxofone melancólico dá ainda mais brilho à composição, que faz contraposições entre diversos elementos ("me and you", "us and them", "black and blue") para, então, concluir que estes elementos são comuns e semelhantes ("we are only ordinary men", "up and down, and in the end it's only round and round and round").
"Any Colour You Like" é a música seguinte. Um instrumental psicodélico, repleto de efeitos de guitarra e sintetizadores sempre com o acompanhamento do baixo e da bateria.
"Brain Damage" é a quarta faixa do lado B. Constitui uma bela homenagem a Syd Barret , um dos fundadores do Pink Floyd. Um tema sobre a loucura que atinge a todos subconscientemente.
O gran finale fica a cargo de "Eclipse" (um nome muito sugestivo, por sinal), que diz que tudo feito em vida, acaba com a morte, indicada pelas batidas de coração, desta vez, enfraquecendo (ao contrário do início do álbum, em que as batidas vão ganhando força), anunciando o fim do disco.
Após o fim, a sensação que se tem é a de que diversas experiências foram vividas enquanto a música simplesmente tocava. A capa do disco também passa a fazer sentido, uma vez que a passagem do feixe de luz pelo prisma decompondo-se em diversos espectros (que na contra-capa passam novamente pelo prisma e se recompõem nun feixe de luz) passa a ser claramente uma metáfora para a transição entre a vida e a morte.
Enfim, uma obra-prima!

L. C. D. M. F. Boechat

Alguns vídeos para degustação:

Speak to me/Breathe
Money
Us and Them
Documentário - The History Channel (Parte 1)
The Dark Side Of Oz
Instrumentos

P.S.: Peço desculpas pela minha visão de extrema admiração pelo disco, e também pela análise superficial que foi feita. O álbum é tão complexo e denso que é difícil destrinchá-lo sempre por um caminho.

8 comentários:

  1. Estou imaginando o quanto você deve ter se empolgado enquanto escrevia este post Luiz. É evidente a paixão que há nesta análise que você fez, muito boa por sinal. E não é para menos, tendo em vista a obra de arte que se propôs a analisar. Fenomenal este disco, e melhor ainda em versão vinil, não sei ao certo porque, mas certamente melhor =] . As músicas soam como um convite a reflexão, e sempre deixam aquela sensação de que há algo a mais, levando a novos pensamentos mesmo quando a faixa é repetida. E também é interessante que cada pessoa (ou a mesma, escutando o disco em momentos distintos) desenvolve uma interpretação distinta das idéias passadas em cada música, e no conjunto da obra como um todo. Um disco sensacional, reconhecido mesmo por quem não aprecia o gênero. Ótimo post pra estrear a coluna músical!

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  2. Muito obrigado pelo comentário Mauro! Para quem gosta de artes, este álbum é fundamental.
    Você ainda apontou um detalhe que eu havia esquecido de justificar: o porquê de ter falado especificamente do vinil.
    Falei do vinil, e não de CD, porque:
    1 - o álbum foi originalmente lançado em vinil;
    2 - algumas pessoas associam cada lado do disco a um dos "estados" do feixe de luz da capa;
    3 - uma característica marcante do disco é, justamente, a coesão de todas as faixas, que é melhor percebida no vinil, já que não existe, no vinil, uma separação entre as músicas, tocando-as contínuamente, ao contrário do CD, onde percebe-se claramente o pulo de uma faixa para outra.

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  3. Com certeza foi um post de alguém com conhecimento de causa. Comento direito depois de reescutar o disco (deu vontade looouca de escutar!)

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  4. Interessante este paralelo do vinil com o CD. Nunca tinha pensado nessa possível associação dos lados do disco com o estado da luz antes e depois do prisma da capa. Faz mais sentido ainda quando consideramos que, invertendo o lado do disco, a capa também se inverte.
    Já essa parte do pulo de faixa é bem notável. Não são poucos os cds em que isso estraga o efeito de continuidade desejado, mas nesse disco ainda foi pior, porque o disco inteiro seria um contínuo.
    Outra coisa que gosto do vinil é aquele chiado característico. Acho que é porque soa como coisa meio antiga, e como eu sou bem nostálgico, me agrada.
    Então ainda bem que meu comentário anterior te lembrou de falar disto Luiz, a informação complementar foi bem interessante!

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  5. Realmente, o álbum é incrível. Faz a gente viajar no ritmo alucinante das guitarras na batida marcante. Psicodélico! As letras são obras primas e a construção inteira do disco foi analizada nos mínimos detalhes.
    A questão da continuidade das faixas é mais uma mostra da produção impecável do disco.
    Há, e se vale dar uma dica, assistir o Mágico de Oz escutando The Dark Side Of The Moon e observar as mudanças de scenário a cada mudança de faixa do álbum é super interessante!

    Boa análise Luiz! Começou a coluna como pé direito! "Continue brilhando" rsrs

    xD
    T. Horta

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  6. Muito boa descrição do álbum do Pink Floyd (diga-se de passagem o segundo disco mais vendido da história da música, só ficando atrás do Thriller de Michael Jackson. Dizem que pela quantidade de discos vendidos no mundo, que é impossível que neste justo momento não tenha alguém ouvindo-o!!!). A meu ver um dos melhores discos da história da música e do Rock n' Roll (eu sou suspeito para falar já que sou fãzaço de carteirinha do Pink Floyd). Temos também diversas interpretações para esse disco, tanto para a figura de capa como para as músicas (que basicamente tratam das complexidades do ser humano, muito bem descritas no post,como a loucura, ambição, dinheiro, tempo, etc... Uma interpretação interessante da capa é a que ela é uma crítica a sociedade moderna (isso em 1973, o grande Roger Waters, que é o letrista de todas as canções, nos mostra que era um homem a frente de seu tempo como todos os demais gênios da humanidade. E os mesmos assuntos abordados permanecem nos nossos dias atuais.)onde a luz decomposta nas cores do arco-íris representa os diferentes seres humanos que por meio da sociedade( o prisma) tendem a serem moldados para uma "mesmice" e padronização, representada pela luz branca e monocromática. Parabéns pela descrição do disco, enquanto lia podia fechar os olhos e ter a execução em minha mente devido ao relato bem feito. Para quem gostar deste disco recomendo outros três clássicos do Pink Floyd e muito bons também: Animals, Wish you were here, e The Wall.

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  7. Belissímo!


    http://www.neobux.com/?r=lauans

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  8. Sabem o que eu estava fazendo até vir parar aqui nesse post?? Pois bem, estava procurando a capa do disco para colocar no MSN - acho esse prisma fantástico. Agora, sobre o disco, fui apresentado a ele pelos meus irmãos. Eles tinham/tem a discografia em vinil, e concordo com vocês quando dizem que o som do vinil é diferente, tem um algo a mais. Dark Side sem dúvida é o melhor disco que já escutei, tem uma sonoridade show. Quando o escutei foi em um Discman, ou seja, com fones de ouvido e em som elevado, o que deu pra escutar cada acorde, pulsação, vozes, e o melhor: escuta-se o disco na melhor sonoridade possível. A imagem da capa é marcante, assim como a capa do Wish You Were Here, outro grande disco..mas aí já é outra história...
    Gustavo Belardinuci - Taquaritinga/SP.

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